Senhor,
olho para trás e me assusto.
Metade da vida se foi —
tão depressa, tão distraída.
Os dias correram como água,
e eu fiquei parado à beira do rio,
esperando o momento certo para mergulhar.
Mas o momento certo nunca veio,
ou talvez tenha passado sem que eu visse.
Agora estou aqui,
com rugas novas e sonhos velhos,
com a alma cansada de recomeçar.
O corpo ainda anda,
mas a mente tropeça.
Senhor,
o que fiz do tempo que me deste?
Das promessas que um dia Te fiz,
dos dons que enterrei
por medo ou preguiça?
Quantas vezes ouvi Tua voz
e disse “depois”?
Quantas vezes quis servir-Te
— mas primeiro quis garantir-me?
Agora sinto o peso do “depois”,
esse nome triste que dei à Tua vontade.
Senhor,
sinto que perdi tempo,
que brinquei com a eternidade
como quem brinca de adiar o amor.
E Tu me escutas em silêncio.
E o Teu silêncio se abre —
como um abraço que não cobra explicações:
“Meu filho,
o tempo que passou não Me escapa.
Cada erro Teu,
cada medo,
cada desvio,
Eu os transformei em caminho.
A obra que não fizeste fora,
Eu comecei dentro de ti.
O que chamaste de perda,
Eu chamei de preparação.
Não é tarde.
Nunca é tarde quando o amor desperta.
Eu não preciso de tua juventude,
preciso do teu coração desperto.
Olha as mãos que ainda tens.
Elas tremem, sim,
mas ainda podem consolar.
Olha os olhos cansados —
ainda podem enxergar quem sofre.
A tua vida não acabou,
apenas começou a ficar verdadeira.”
Senhor,
então é isso?
Mesmo agora,
quando me sinto tardio,
Tu ainda queres escrever comigo?
Eu Te peço,
com a humildade dos que enfim entenderam:
usa o que sobrou de mim,
como o oleiro usa o barro seco —
quebrando, molhando, refazendo.
Não quero glória,
nem aplausos,
nem tempo de sobra.
Quero apenas estar em Tuas mãos
antes que o tempo acabe.
E se ainda der tempo, Senhor,
que eu Te construa —
não com obras grandes,
mas com o pouco
que ainda posso oferecer.
Amém.
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