Senhor,
eu não me despedi.

As palavras ficaram presas dentro de mim.
Esperei o dia em que o orgulho passaria,
o instante em que o amor venceria o silêncio.

Eu achei que tinha todo tempo do mundo,
que o amanhã sempre me esperaria.
Mas o tempo é veloz, Senhor,
e a morte não espera.
Ela veio sem aviso,
e levou meu pai enquanto eu ainda pensava
no que iria dizer.

Lembro-me dele, Senhor…
das manhãs em que me punha nos ombros
para que eu visse o mundo de cima.
Eu ria alto,
e ele ria junto,
como se nada de mal pudesse acontecer.

Lembro de suas mãos firmes,
guiando as minhas,
me levando pela primeira vez ao cinema do centro,
onde tudo parecia imenso —
as luzes, as pessoas, o som da tela,
e eu, pequeno,
seguro apenas por aquela mão
que me fazia sentir invencível.

Lembro quando me ensinou a andar de bicicleta,
correndo atrás de mim,
rindo quando eu caía,
levantando-me sem dizer nada,
porque o amor dele era silêncio e paciência.

Lembro do olhar —
aquele olhar que perdoava antes mesmo de eu errar,
olhar que dizia “eu te entendo”
sem precisar de palavras.

Lembro-me dele, Senhor,
quando acolhia meus amigos em casa,
e fazia-nos sentir bem,
como se fôssemos todos seus filhos.

Lembro de como falava de mim aos outros,
cheio de orgulho,
como se eu fosse o maior presente da vida dele.

Mas eu briguei com meu pai, Senhor.
Falei o que não devia,
fiz o que não queria,
e com palavras impensadas,
fiz nascer lágrimas nos olhos dele.
Rasguei o coração de que sempre me acolheu.

E não tive tempo de pedir perdão.
A morte foi rápida,
e o arrependimento me consome.

Agora só resta o silêncio —
O vazio.

Mas Tu, Senhor,
que também conheces a dor de perder um pai,
vem consolar-me.
Diz-me que ele me perdoou,
como sempre perdoava.
Diz-me que ouviu, mesmo sem eu falar.

E se o Teu amor é maior que a morte,
promete-me, Senhor,
que um dia voltarei a vê-lo —
não para explicar nada,
mas apenas para abraçá-lo
e descansar,
como quando eu era criança,
e o mundo cabia no colo do meu pai.

Filho,
eu te ouvi.

Teu pai também te ouve.
E tudo o que não disseste em palavras,
ele escuta agora em teu coração.

O amor não termina com a morte.
A saudade é apenas o modo humano
de continuar amando à distância.

Teu pai te aparece nos sonhos
porque o céu é generoso com os que choram.
E cada vez que o vês sorrindo,
é o meu consolo que te visita.

Não chores pelo que não foi dito —
chora apenas por amor,
porque o amor é o fio que ainda vos une.

Ele te perdoou antes que o pedisses.
E quando o reencontrares,
não haverá necessidade de palavras.
Haverá apenas um abraço —
aquele mesmo,
de quando eras criança
e o mundo cabia inteiro
no colo do teu pai.

Autor: Ricardo Córdoba Baptista

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